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Você não está cansado. Está superestimulado

O cérebro não aguenta estímulo infinito.

14 de outubro de 2025 - 05:05
Renato Dolci, diretor de Dados e Analytics da Timelens. Foto: Danilo Stoqui

Renato Dolci, diretor de Dados e Analytics da Timelens. Foto: Danilo Stoqui

Você não está exausto porque trabalha demais. Está exausto porque nunca mais descansou a própria mente. A sensação de cansaço permanente virou epidemia — e ela não nasce do esforço, nasce do excesso. O corpo pode até aguentar a carga de trabalho por um tempo. O cérebro não aguenta estímulo infinito.

O Brasil lidera o ranking mundial de tempo de tela: 9 horas e 32 minutos por dia conectados (DataReportal 2025). Um adulto médio toca no celular 2.617 vezes por dia (Dscout Research) e troca de tarefa mais de 1.100 vezes durante o expediente (RescueTime). Não chamamos mais isso de comportamento normal. Chamamos de rotina. Mas isso tem outro nome: hiperestimulação crônica.

Efeito prático: a capacidade de foco humano despencou para 47 segundos antes da próxima distração (Gloria Mark – University of California). Sessões de concentração profunda hoje duram em média 3 minutos e 42 segundos antes de serem interrompidas (Microsoft Human Attention Study).

Não é coincidência o crescimento da ansiedade: o Brasil é o país mais ansioso do mundo (OMS, 2024). O cérebro, exposto a estímulos constantes, entra em modo de dopamina artificial, cria tolerância e pede mais — mais notificações, mais vídeos, mais recompensas rápidas. Resultado: você não consegue desligar, mesmo quando está parado.

Essa fadiga não é física. É cognitiva. 75% dos brasileiros dizem sentir “cansaço mental permanente” (IPSOS 2024). E, ao contrário do que imaginamos, isso não melhora no descanso.

Pelo contrário: o ócio virou consumo de conteúdo. Descansar deixou de ser pausa e virou rolagem infinita. Em média, passamos 3 horas e 4 minutos por dia só em redes sociais (DataReportal). Isso equivale a 46 dias por ano. Um mês e meio inteiro da sua vida indo para a timeline. Passamos, atualmente, segundo o mesmo relatório, 1/3 do ano no celular. Sim, é assustador.

Enquanto isso, o trabalho perdeu potência. Perdemos 2h40 por dia em trocas de aplicativos e interrupções (Harvard Business Review). 61% admitem checar WhatsApp durante reuniões (Opinium 2024). 35% dizem abrir o celular automaticamente sem perceber (Deloitte). Não é falta de disciplina. É arquitetura tecnológica desenhada para sequestrar atenção. E funciona.

A consequência é invisível, mas brutal: há uma inflação de esforço e uma recessão de resultado. Trabalhamos mais horas, produzimos mais volumes, geramos mais movimento — e entregamos menos pensamento, menos profundidade, menos estratégia. Produtividade não caiu porque as pessoas ficaram preguiçosas. Caiu porque o mundo ficou barulhento demais para pensar.

Não é descanso que falta. É silêncio.

O que você sente não é preguiça. É abstinência de atenção. Seu cérebro nunca mais ficou sozinho. E ele está gritando.

* Renato Dolci é cientista político (PUC-SP) e mestre em Economia (Sorbonne). Atua há mais de 15 anos com marketing digital, análise de dados e pesquisas públicas e privadas de comportamento digital. Já desenvolveu trabalhos em diversos ambientes públicos e privados, como Presidência da República, Ministério da Justiça, FIESP, Banco do Brasil, Mercedes, CNN Brasil, Disney entre outros. Foi sócio do BTG Pactual e atualmente é diretor de Dados e Analytics na Timelens, CRO na Hike e CEO na Ineo.