.png?w=730)
Adilson Batista (Foto: Divulgação)
Começo por onde dói: a nossa base digital é desigual. Entre as empresas que têm área ou especialista de TI, apenas 13% usaram IA em 2023; entre as grandes, o índice sobe para 41%, e nas pequenas fica em 11%. No mesmo período, 33% pagaram por capacidade de processamento em nuvem — insumo básico para treinar, ajustar e operar modelos (PaaS/IaaS — Platform/Infrastructure as a Service). Isso ajuda a explicar por que a “última milha” (levar do piloto para o uso diário) ainda emperra por aqui (de acordo com a Cetic.br).
O mundo corre mais rápido. Em 2024, a adoção de IA nas organizações saltou para 72% globalmente (metodologias distintas, mas a direção é clara), de acordo com a McKinsey & Company.
O que nos trava não é só tecnologia
Os freios são conhecidos: custo, gente qualificada e, sobretudo, clareza sobre utilidade. Entre quem não usa IA no Brasil, aparecem como obstáculos: “os custos parecem altos”, “falta de conhecimento sobre tecnologias adequadas” e até “a IA não é útil para a empresa” (de acordo com a Cetic.br).
O ambiente regulatório incerto também pesa. O PL (Projeto de Lei) 2338/2023, que propõe o marco de IA, tramita no Congresso sem definição, enquanto a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) que está em vigor e com sanções desde 2023 — e ainda não é amplamente conhecida e seguida pelas empresas.
O gargalo central: liderança, não tecnologia
Minha leitura (reforçada por estudos recentes) é que liderança é a variável mais crítica. Em 2025, um relatório da McKinsey foi direto: o maior obstáculo à escala não é o colaborador, é a liderança que não está puxando o ritmo. Em paralelo, as dificuldades de contratação no Brasil seguem altas: entre as empresas que contrataram ou tentaram contratar especialistas de TI, 36% relataram falta de candidatos e 37%, falta de qualificação específica (de acordo com a McKinsey & Company e a Cetic.br).
Três frentes para sair do piloto e ganhar escala
- IA como agenda de negócio, não só de TI. Dê nome ao dono (executivo responsável), defina metas de receita/eficiência, escolha casos com ROI (retorno sobre investimento) mensurável. Hoje, muita empresa compra solução pronta ou terceiriza o desenvolvimento — é um início, mas não sustenta escala. Num recorte paulista publicado dentro da TIC Empresas, 52% recorreram a sistemas customizados de terceiros e 51% compraram software/hardware ou consultoria; internalizar MLOps (Machine Learning Operations) e responsabilidade algorítmica deveria ser uma estratégia de negócios para todo executivo líder de uma organização nestes tempos de Inteligência Artificial. Pode-se terceirizar serviços, mas a estratégia tem que estar na empresa.
- Capacitação contínua como linha fixa do orçamento. Iniciativas privadas ajudam — a Microsoft anunciou R$ 14,7 bilhões em nuvem/IA no Brasil e treinamento para ~5 milhões de pessoas — mas treinamento tem de entrar no P&L e na régua de performance da empresa.
- Governança desde o dia 1. Com a LGPD ativa e o marco de IA em discussão, quem estruturar playbooks de uso responsável, auditorias de modelos e gestão de risco desde cedo inova com menos atrito.
Estamos formando as lideranças certas?
O interesse existe, e cresce rápido. Matrículas em cursos de IA generativa na América Latina subiram 425% em 2025, de acordo com a Coursera. Mas liderar não é só dominar técnica; é amarrar IA à estratégia, ao orçamento e às métricas.
Há, sim, terreno fértil para avançar sem copiar modelos estrangeiros:
- Infraestrutura pública digital. O Pix virou tecido do dia a dia — e ganhou o Pix Automático em 2025, para pagamentos recorrentes. No Open Finance, eram mais de 46 milhões de consentimentos ativos em 2024, abrindo espaço para IA em crédito, antifraude e personalização (de acordo com o Banco Central e o Ministério da Fazenda; sobre o Pix Automático, de acordo com a Reuters).
- Dados abertos de classe mundial. TerraBrasilis/INPE (PRODES/DETER), MapBiomas e Embrapa oferecem bases robustas para clima, agro e logística — um diferencial competitivo que pouca gente explora.
- Modelos em português. BERTimbau, PTT5 e a família Sabiá mostram ganhos práticos em atendimento, saúde e serviços públicos quando a tarefa exige PT-BR (de acordo com a NeuralMind, com a Unicamp e com a Maritaca AI).
- Capital público-privado. O PBIA (Plano Brasileiro de Inteligência Artificial) 2024–2028 prevê R$ 23 bilhões para IA — combinando orçamento público, FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e contrapartidas privadas — o que pode viabilizar computação avançada no país (de acordo com a Reuters e com o MCTI — Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação).
O Brasil não precisa ser seguidor por inércia. Temos dados estruturados, infraestrutura financeira digital, modelos locais e capital. O que vai determinar se acompanhamos (ou lideramos) o ritmo global não é apenas a pilha tecnológica, mas a ambição da liderança, com metas claras e governança séria para escalar com segurança.
Se eu puder provocar uma última reflexão, deixo esta pergunta objetiva: qual problema de negócio, com dono, métrica e prazo, sua empresa vai resolver com IA nos próximos 90 dias? A resposta vale mais que qualquer “roadmap” bonito.
*Por Adilson Batista, especialista em IA generativa e CIO da Cadastra.